Homens costumam regular suas emoções através de ações, não palavras

Escrito por Peter Wright, traduzido por Yago Lukševičius de Moraes.

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Aos quinze anos de idade, eu deixei a escola para começar a trabalhar como ferreiro. Era um trabalho fisicamente exigente, mas ao mesmo tempo era imensamente criativo e satisfatório aprender sobre as propriedades físicas dos metais e seus vários estados de maleabilidade. Quando o metal está vermelho brilhante, sua consistência é muito semelhante à argila de cerâmica, que pode ser facilmente empurrada, puxada, esticada, torcida, achatada ou derramada - praticamente qualquer coisa que você quiser fazer com ele. A única limitação era o conhecimento de como usar as centenas de diferentes ferramentas de agarrar, pinças, tenazes, grampos e martelos, mas como qualquer habilidade, isso tudo viria com o tempo, com prática e com a qualidade da mentoria masculina.

Enquanto estava aprendendo essas habilidades, notei uma camada secundária de atividade que sempre acompanhava o trabalho, uma camada psicológica de processos emocionais que parecia misteriosamente se misturar com cada tarefa. Se eu estava aproveitando a vida, tendia a me maravilhar mais com as cores do arco-íris que apareciam no metal ao moer ou aquecê-lo a diferentes graus, ou se eu estava sentindo frustração, ansiedade ou raiva por alguma coisa, percebia que estava martelando uma lâmina quente mais agressivamente do que o habitual, gerando um tipo estranho de alívio e, descobri, ainda mais alívio se eu deliberadamente acertasse o objeto com mais força e com golpes extras. Mais uma vez, aprendi que, se meu martelar estivesse ficando muito febril, eu poderia a qualquer momento escolher "resfriar" a lâmina quente em água fria, trazendo um tipo completamente diferente de alívio.

“De fato, não eram apenas as tarefas de ferreiro, mas qualquer atividade física logo se revelou como um projeto que eu ‘usaria’ como uma tela para regular emoções”

Mesmo nessa idade, eu estava ciente de como estava regulando minhas emoções através dessas ações e de como essa estranha sincronia de tarefas formava um complemento. Também aprendi a fazer bom uso do trabalho físico para regular minhas emoções quando precisava estabelecer algum tipo de equilíbrio básico. Isso não foi resultado de algum gênio especial ou educação, nem de sessões com um psicólogo ou conselheiro – era minha natureza masculina entendendo como se autorregular.

De fato, não eram apenas as tarefas de ferreiro, mas qualquer atividade física logo se revelou como um projeto que eu "usaria" como uma tela para regular emoções, e eu também podia escolher qual atividade física realizar com base no resultado desejado – liberação de raiva ou frustração, para gerar conforto, ou talvez para afirmar ou aumentar meu prazer de viver. Tudo isso aconteceu de forma natural à medida que eu me envolvia no trabalho, em vários esportes e atividades recreativas (como acontece para a maioria dos homens) sem a necessidade de dizer uma única palavra sobre meus sentimentos a ninguém. Além disso, não só fui capaz de regular minhas próprias emoções dessa maneira, mas descobri que também podia usar essas técnicas para ajudar a regular as emoções de amigos e familiares; se um amigo estivesse passando por dificuldades de alguma forma, eu o convidaria para uma caminhada na montanha, acampamento, pesca ou para ir ao cinema, onde ele poderia passar silenciosamente pela alquimia secreta que eu tinha encontrado tão útil. Ajudar os amigos também me fazia sentir bem... havia algo que eu não pudesse fazer com essa sabedoria?

Como para a maioria dos jovens, isso fazia sentido intuitivo. Mas, mais tarde eu acrescentei uma camada de sofisticação a esse entendimento quando estudei a psicologia do processamento emocional. Lá, aprendi que, embora as pessoas possam expressar emoções através de atos e gestos físicos, ou alternativamente conversando sobre questões emocionais, os homens tendem a se especializar mais na regulação de emoções baseada em ações do que as mulheres, que tendem a se especializar mais na regulação verbal das emoções.

Com esse conhecimento adquirido sobre a consciência emocional dos homens, imagine minha surpresa quando abri um livreto de estudo escrito por Ronald Levant, ex-presidente da APA (Associação Estadunidense de Psicologia. É a versão estadunidense do Conselho Federal de Psicologia brasileiro), publicado em 1997, alegando que a maioria dos homens não pode entender seus próprios sentimentos nem os das outras pessoas: "Uma consequência marcante e de longo alcance do processo de socialização masculina é a incapacidade de diferenciar e identificar suas emoções... Em seu sentido mais básico, viver desligado de suas emoções é viver isolado de si mesmo, bem como dos outros – uma condição que impede a verdadeira intimidade."

Essa alegação forma a base da teoria de que a maioria dos homens possui uma deficiência severa em inteligência emocional, e que, mesmo que eles descobrissem alguns fragmentos de consciência emocional, não saberiam como expressá-los em palavras, tal é a profundidade do déficit masculino. Levant refere-se a essa condição como uma forma normativa masculina de 'alexitimia' (um termo que significa baixa inteligência emocional), o que resulta em homens incapazes de ler suas próprias emoções: "Faltando essa consciência emocional, quando solicitados a identificar seus sentimentos, eles tendem a depender da cognição e tentam deduzir logicamente como deveriam se sentir. Eles não conseguem fazer o que é automático para a maioria das mulheres - simplesmente sentir internamente, sentir o sentimento e deixar que a descrição verbal venha à mente."

“…uma mulher pode conversar com sua amiga melancólica sobre o que a está preocupando para animá-la; o homem pode convidar a mesma amiga melancólica para ir ao cinema”. 

Segundo essa teoria, as vidas dos homens são guiadas pela empatia de ação, que é considerada um substituto inadequado para a empatia emocional genuína, uma habilidade tipicamente exibida pela maioria das mulheres. A empatia de ação é definida como a capacidade de ver as motivações físicas do ponto de vista de outra pessoa e focar nas ações concretas que essas pessoas poderiam realizar. Por outro lado, os homens não entenderiam a empatia emocional da maneira que as mulheres entendem – mulheres que são capazes de adotar a perspectiva de outra pessoa e saber como ela se sente. "A empatia de ação também difere da empatia emocional em termos de seu objetivo. A empatia emocional é geralmente empregada para ajudar outra pessoa e é, portanto, pró-social, enquanto a empatia de ação é geralmente empregada a serviço de si mesmo."

Como resultado da alegada baixa inteligência emocional dos homens, diz-se que eles se tornam estranhos à sua própria vida emocional, transmutando inconscientemente suas emoções vulneráveis em raiva e agressão, enquanto também tendem a extrair suas emoções de cuidado através do estreito canal da sexualidade.

Longe de ser uma evidência de baixa inteligência emocional, a tendência dos homens de usar a ação pode ser melhor entendida como uma forma de acuidade emocional. Alguns estudos de processamento emocional indicam que homens e meninos são capazes de identificar os detalhes da excitação emocional em si mesmos e nos outros tão bem quanto as mulheres – emoções como ciúme, amor, raiva, tristeza, ansiedade e assim por diante. Por exemplo, um estudo com 1285 homens e mulheres descobriu que, enquanto as mulheres eram mais proficientes em verbalizar sentimentos, homens e mulheres eram igualmente proficientes em identificar sentimentos, e outro estudo de Fischer et al. com mais de 5000 participantes sobre a capacidade de perceber emoções faciais não encontrou "diferenças de gênero na percepção de emoções-alvo". Fischer et al. comentam que essa descoberta "diverge de várias revisões e meta-análises anteriores sobre diferenças de gênero na precisão emocional". Eles especulam que essa diferença pode ser porque pesquisas anteriores tendiam a usar amostras de estudantes, enquanto os participantes de seu estudo eram de uma variedade de idades e origens.

A segunda observação, conforme descrito acima, é que homens e meninos podem escolher regular as emoções não tanto verbalizando-as (o método preferido pelas mulheres), mas tomando ações inteligentes. Por exemplo, uma mulher pode conversar com sua amiga melancólica sobre o que a está preocupando para animá-la; o homem pode convidar a mesma amiga melancólica para ir ao cinema; ambas as respostas – conversar ou agir – servem para modular inteligentemente as emoções.

“As duas maneiras de regular as emoções têm implicações para o campo da saúde mental, pautada predominantemente da terapia de conversa – em particular, falar sobre sentimentos.”

É um erro confundir essas duas características distintas do processamento emocional como se fossem uma e a mesma coisa: 1. reconhecer emoções, ou 2. verbalizar sentimentos. Os homens, assim como as mulheres, geralmente podem reconhecer toda a gama de fenômenos emocionais, mas podem optar por responder a esse conhecimento de maneira muito diferente das mulheres típicas. Os homens frequentemente escolhem responder a essa consciência fazendo algo pragmático em vez de verbalizar sentimentos.

Falando sobre ações
As duas maneiras de regular as emoções têm implicações para o campo da saúde mental, pautada predominantemente da terapia de conversa – em particular, falar sobre sentimentos. Isso não sugere que não poderia haver, e talvez precise haver, mais ênfase em discutir o valor terapêutico da ação? Pode não ser prático conduzir a terapia enquanto se engaja em atividades físicas, como um treino na academia ou uma caminhada pelas ruas, mas a discussão terapêutica pode pelo menos focar mais nos aspectos "de fazer" da vida de um homem. Por exemplo, um terapeuta pode perguntar como o problema XYZ fez um homem agir, além de explorar quais atividades físicas ou respostas poderiam ajudá-lo a modular essas emoções de maneira mais otimizada no futuro. Andar de jet ski, correr ou construir móveis de madeira faz com que ele se sinta melhor ou pior? Aquela manobra difícil no videogame lembra as dificuldades em seu relacionamento com a namorada? O mesmo videogame fornece algum otimismo de que, se ele puder superar a manobra difícil no jogo, talvez ele possa encontrar uma maneira de contornar o impasse com a namorada? Atividades como essas fornecem uma tela simbólica na qual os homens projetam e, em seguida, trabalham vários cenários da vida real, com potencial para mudar as ressonâncias afetivas no processo.

Quando um homem fala sobre como operou um torno, fez alguma soldagem, restaurou um pouco de mobiliário descartado e quebrado, ele pode estar compartilhando uma estratégia de como redirecionou com sucesso sentimentos suicidas? Talvez não devêssemos ser tão rápidos em encerrar essas conversas com acusações de serem obcecados pelo trabalho, efetivamente impedindo as expressões naturais masculinas com injunções para falar menos sobre atividades e comunicar-se mais efusivamente com palavras de sentimentos. Para muitos homens, as atividades são as telas preferidas nas quais podem processar sentimentos e esculpir um verdadeiro equilíbrio psicológico.

Provavelmente, essa é uma razão pela qual os homens falam tanto sobre trabalho, esportes, construção de coisas, jogos de computador e atividades recreativas – pode ser a maneira preferida deles de comunicar como lidam com questões psicológicas. Infelizmente, a indústria terapêutica é rápida em criticar a preferência dos homens por ações inteligentes, confundindo-as com reflexos patológicos, como atos inconscientes de agressão, dependência de drogas e álcool e outras versões destrutivas do chamado "acting-out", como são frequentemente rotuladas.

Terapias centradas na discussão de atividades físicas ou, inversamente, centradas no compartilhamento de cadeias de palavras de sentimentos, podem ambas servir como formas de comunicação. Com isso em mente, talvez seja hora de a terapia se libertar de olhar exclusivamente para o espelho dos sentimentos para poder olhar pela janela para a gama de atividades concretas que também servem à psique. A reação dos homens a essa abordagem pode surpreender a todos nós.

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Aviso Legal: Este artigo é apenas para fins informativos e não substitui terapia, aconselhamento jurídico ou outra opinião profissional. Nunca desconsidere tal conselho por causa deste artigo ou de qualquer outra coisa que você tenha lido no Centre for Male Psychology. As opiniões expressas aqui não refletem necessariamente as do Centre for Male Psychology, nem são endossadas por nós, e não podemos ser responsabilizados por essas opiniões. Leia nosso aviso legal completo aqui


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Peter Wright

Peter Wright é um pesquisador independente cujos interesses incluem mudanças históricas nos costumes de gênero, a psicologia do apego humano e a psicologia masculina. Ele possui um blog que inclui artigos sobre psicologia masculina e recentemente publicou uma série de dois artigos sobre o ginocentrismo como patologia narcisista. Ele mora na Austrália.

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